O retorno do filho pródigo, de Rembrandt
Por Hernan Centurion (*)
Apresento-lhes este “Quarto de Hora de Instrução” não como conhecedor da Verdade, longe disso, entretanto como um eterno aprendiz da Arte Real, desejoso de refletir com todos vocês sobre um tema que nos toca profundamente e desafia nossa condição humana mais íntima — o perdão.
É do conhecimento dos amados irmãos que vivemos momentos sombrios no mundo profano, em que a guerra consome inocentes, a discórdia semeia as desordens políticas nacional e mundial, e a mágoa alastra-se como um câncer nos corações, alhures. Nós maçons, obreiros de um templo invisível (interior), também não estamos isentos destas provações; e, quando a rivalidade visita-nos e ameaça os elos da corrente fraterna, somos imediatamente convocados a uma obra ainda mais árdua do que a edificação de catedrais imponentes, como outrora ocorrera na Maçonaria Operativa, mas de fato, a reconstrução de nós mesmos, premissa básica tão bem ensinada e massificada no Ritual de Aprendiz Maçom.
Analisando semanticamente a palavra perdão, como costumo fazê-lo nos meus estudos, ela é oriunda do latim ‘per-donare’ e que significa “dar totalmente ou anular a dívida”. Não é um termo teológico em sua origem, mas sim literário, encontrado pela primeira vez em uma tradução latina de uma fábula de Esopo, filósofo da Grécia Antiga. Hannah Arendt, filósofa alemã nata no início do século passado, apoiara-se na experiência de Jesus, não do ponto de vista teológico, mas do político, para tratar de dois conceitos de vital importância para as questões humanas: o perdão e a promessa. Aquele nos libera do peso do passado, enquanto este nos livra do medo do futuro.
O ato de perdoar não se traduz no simples fato de esquecer, “passar uma régua” ou fugir do algoz. Não obstante significa recordar-se do ato ofensivo e do agressor sem rancor ou ira, isto é, com compaixão. É uma ação de pura força espiritual e jamais de ordem mundana. Como bem ensinara o filósofo estoico Marco Aurélio em suas Meditações, “a melhor vingança é não se tornar igual àqueles que nos feriram”. Já Pitágoras nos lembra: “não carregues a raiva de um dia para o outro. Que o sol nunca se ponha sobre tua mágoa.”
A tradição esotérica também reconhece o perdão como tarefa iniciática. Helena Blavatsky, cofundadora da Sociedade Teosófica, na Doutrina Secreta, afirmara que “o verdadeiro iniciado é aquele que vence a si mesmo”. Eliphas Levi, escritor e ocultista francês, escrevera que “não há magia sem pureza de intenção”, e que a libertação das paixões inferiores é condição para toda ascensão espiritual. René Guénon, esotérico francês e fundador da Escola Perenialista, em O Esoterismo de Dante, ensina que o verdadeiro caminho iniciático exige a reconciliação dos opostos – e o perdão é essa ponte invisível sobre o abismo da separabilidade.
Ao analisarmos a Bíblia Sagrada, fonte de sabedoria milenar, deparamo-nos com algumas revelações nos seguintes trechos:
“Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12); “Setenta vezes sete vezes perdoarás” (Mt 18,22); “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23,34); “Suportem uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor os perdoou” (Col 3,13).
É neste cenário intolerante, aguerrido e conturbado em que nos encontramos atualmente, que o perdão se ergue e pede passagem como a mais sublime de todas as virtudes. Ele não representa fraqueza, como assim aparenta aos que receberam mui fraca Luz, tampouco conivência com o pecado. É, pois, o malho que quebra o orgulho e o cinzel que modela a alma e que dela aflora a humildade. Perdoar é desbastar a pedra bruta interior, no âmago abstrato do indivíduo, retirando-lhe as lascas afiadas e disformes dos vícios, como o ressentimento, a vaidade, a arrogância e a vingança vil.
A simbologia do Grau de Aprendiz nos oferece elementos valiosos para esta meditação, visto que a pedra bruta, símbolo do estado raso e imperfeito do ser, recorda que o perdão e a humildade são partes fundamentais para lapidá-la, transformando-a na mais perfeita joia. O malho, por sua vez, traduz a vontade firme de combate à ignorância e o cinzel, a razão que o guia com precisão. Ambos compõem, num trabalho sincrônico, o gesto consciente e transformador do perdoar.
O Compasso e o Esquadro, instrumentos de precisão e medida, orientam-nos a ajustar nossas emoções e paixões rasteiras, buscando a temperança da alma. O perdão é, portanto, uma medida moral que limita o excesso e promove a harmonia.
Ao buscarmos ainda mais no campo da sabedoria maçônica, encontramos o ensinamento de Albert Pike, militar, advogado, filósofo e escritor estadunidense, ilustre representante da Maçonaria Especulativa, em Morals and Dogma afirmara: “Perdoar é o mais alto dos atos humanos; pois só o forte pode perdoar.”
Destarte, para se alcançar a Sabedoria, representada simbolicamente pelo trono do Rei Salomão, devemos analisar ainda o significado da espada flamígera, instrumento exclusivo dos Veneráveis Mestres, na qual veremos não um objeto de agressão ou vingança, mas de consagração, justiça e conhecimento. O verdadeiro maçom não busca ferir, contudo, proteger e restaurar. Ele não condena, pois reconhece no outro a centelha divina, mesmo quando ofuscada pelas imperfeições humanas.
Tudo isso exposto não propõe um ideal intangível, mas um dever moral para todo aquele que almeja a evolução espiritual. O perdão é, portanto, o retorno à Luz. Recusá-lo, desafortunadamente, é permanecer nas sombras, enclausurado na caverna fria das paixões profanas.
Meus amados irmãos e amigos de todos os graus e qualidades… pouco importa qual título honorífico, colar ou avental usamos! Somos todos, pois, “filhos da viúva” e, se ventanias de rivalidade ou discórdia porventura assolam nossas vidas, sejamos nós mesmos os obreiros que, com humildade, mansidão e grandeza d’alma, recolhem os escombros, não para edificarmos muros, contudo reconstruirmos pontes, assim como bem falou o Papa Francisco, às vésperas de sua morte. Doravante, que cada um, em silêncio, visite seus rancores, dores e ofensas e neles reconheça um ensejo de elevação real e sincera. O perdão afaga e cura irmãos ofensores e ofendidos, harmoniza as Colunas da Sublime Ordem, reacende a “verdadeira Luz, que alumia todo homem que vem a este mundo” (Jo, 1;9).
Que possamos, com coragem e fé, fazer do perdão a pedra angular sobre a qual manteremos a fraternidade de nossa Augusta Ordem e que este Templo que nos abriga, alicerçado pelo trabalho de várias gerações de ilustres maçons, seja também um altar sagrado de conciliação, concórdia e paz.
Finalizo, com a frase de Júnior Rostirola: “perdoar é dar oportunidade de recomeçar”. Então, sugiro uma última reflexão… e por que não através de uma versão maçônica da Oração de São Francisco de Assis? Fechemos nossos olhos e abramos nossos corações! V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae Rectificando Invienes Occultum Lapidem).
Oh GADU Fazei-me com maço e cinzel, esquadro e compasso instrumento para Paz e Concórdia!
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor fraterno!
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão, desbastando a Intolerância!
Onde houver Discórdia, que eu leve a União, a Fraternidade!
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé, que habita nas nossas obras de Caridade!
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade, com Lealdade!
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança de um mundo livre e igualitário!
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria, a Harmonia!
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz que alumia todo homem que vem a este mundo…
Ó Mestre dos mestres, Deus de Davi e Salomão!
Fazei que eu procure, estude e pratique mais, seja Exemplo!
Para consolar, mais que ser consolado; ter Temperança!
Compreender, que ser compreendido, Servir!
Amar, que ser amado, Cuidar!
Pois é dando, sendo caridoso, que se recebe;
Perdoando, que se é perdoado;
E é morrendo, na vida profana, que se vive para para sempre, no Oriente eterno!
Bíblia Sagrada – Evangelhos segundo Mateus, João e Lucas
Marco Aurélio – Meditações
Albert Pike – Morals and Dogma
René Guénon – O Esoterismo de Dante, O Homem e seu Devir segundo o Vedanta
Helena Blavatsky – A Doutrina Secreta
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
Santo Agostinho – Confissões
Immanuel Kant – A Paz Perpétua
Cícero – Sobre os Deveres
Pitágoras – Fragmentos éticos e esotéricos
André Comte-Sponville – Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
Claudia Perrone Moisés – Os limites do Perdão: Hanna Arendt e Jacque Derrida
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